O ciclo do Porto

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O caso da Invicta Filme permite algumas considerações.

Em primeiro lugar, deve sublinhar-se a viragem que operou do até então eixo dominante da maioria dos filmes feitos em Portugal, as vistas panorâmicas e as reportagens, para o domínio do romanesco.

Em segundo lugar, ao pretender organizar a produção em bases industriais, a companhia recusou a improvisação, não hesitando em ir buscar técnicos qualificados onde sabia poder encontrá-los no estrangeiro, de modo a assegurar os saberes indispensáveis à viabilização dos seus projectos. Para além de Thomas Mary Rosell, no nosso País já há bastante tempo, a empresa contratou, numa primeira fase, o já citado Georges Pallu, André Lecointe, Albert Durot, George Coutable e Valentine Coutable respectivamente, realizador, cenografista, operador de câmara, chefe de laboratório e montadora de filmes. Mais tarde, outros viriam contribuindo, desse modo, para formar gente do cinema.

Finalmente, a Invicta Film compreendeu a importância do genuinamente português para efeito da criação de públicos. Fez mais português para ser mais europeu, antecipando, de algum modo, linhas estratégicas de políticas posteriores para o cinema e audiovisual, como seja valorizar o local e o regional como base do universal.

Entre 1818 e 1925, fosse através da Invicta, da Caldevilla Filme, fundada em 1920, ou da Fortuna Filme, criada em 1922, fizeram-se no Porto 25 longas metragens de ficção, um número interessante mesmo quando comparado com a produção europeia da época. Afirma Bénard da Costa (1982):

“Para lá da surpreendente quantidade (…) o que mais se impõe é a relativa unidade dessa produção, que permite, sem exagero, que se possa falar de um Ciclo do Porto, encontrando-se nele, de obra para obra, características comuns, mau grado as diversas personalidades dos realizadores que as assinam.”

Todos os géneros de que o cinema português viria a ocupar-se mais tarde encontram-se já neste Ciclo do Porto, excepção feita à comédia populista, cujo período áureo havia de prolongar-se pelos anos 30 e 40. Infelizmente, a partir de meados de 1922, a Invicta Filme começou a sentir dificuldades financeiras, para as quais, apesar de diversas tentativas, não encontrou soluções. Até nessa matéria foi pioneira, embora pelas piores razões, pois teve de enfrentar problemas semelhantes aos que ainda hoje se colocam à maioria dos filmes portugueses. Em competição com estruturas capitalistas poderosas à escala global, foi sendo cada vez mais difícil encontrar uma distribuição adequada às exigências de comercialização dos seus filmes.

Em 1924, fez a sua última produção, um documentário intitulado III Exposição Internacional de Automóveis, Aviação e Sport. Os seus estúdios reabriram, ainda, uma ou outra vez, a título de aluguer, como aconteceu no caso dos filmes de Reinaldo Ferreira, um jornalista famoso pelas suas reportagens sensacionalistas que marcaram uma fase do jornalismo português e que eram assinadas com o pseudónimo de Repórter X, mas tudo isso mais não foi do que o último assomo de um penoso estertor.

Em Junho de 1931 fechou as portas definitivamente. Nesse ano, morreu Aurélio da Paz dos Reis e Manoel de Oliveira estreou Douro, Faina Fluvial, considerado um dos mais notáveis documentários portugueses de todos os tempos.

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