Uma sessão de homenagem ao Miguel Portas
No dia 24 de abril, quando passam 10 anos sobre a sua morte, evocaremos o internacionalismo solidário do Miguel. Com a presença de Catarina Martins, Marisa Matias, José Manuel Pureza e Luísa Teotónio Pereira e com o filme “A vida à espera: Referendo e Resistência no Sahara Ocidental” de Iara Lee. Texto de Alda Sousa
No dia 24 de abril, quando passam 10 anos sobre a sua morte, lembraremos o Miguel. Ainda parece um daqueles pesadelos que se vai desvanecer quando acordarmos. Porque o Miguel continua por cá, presente em tudo que fazemos, todos os dias. No Cinema Trindade, às 15h desse dia 24, evocaremos o internacionalismo solidário do Miguel, com algumas das causas que foram suas e nossas e que continuam a ser nossas.
Tenho a certeza de que o Miguel teria adorado a nossa ideia insurgente de fazer o Desobedoc, juntando a política ao cinema. Aliás, foi isso que o Miguel sempre fez, como ativista político e cultural que sempre foi.
Em 1999, ano da fundação do Bloco, o Miguel foi cabeça de lista pelo Porto às legislativas, depois de já ter sido em Junho cabeça de lista ao Parlamento Europeu. Não foi eleito por escassos votos. O verão e o início do outono de 1999 foram marcados pelas gigantescas mobilizações populares de solidariedade com o povo de Timor-Leste. Havia concentrações e manifestações todos os dias. Na Praça da Liberdade, no Porto, havia uma espécie de sit-in permanente, com cartazes, velas e gente. Sempre muita gente. O Miguel esteve presente horas a fio, durante dias a fio. Houve turnos consecutivos de 24h de greve da fome, com umas 30 pessoas de cada vez. O Miguel fez um desses turnos e acompanhou outros. Toda a gente o conhecia, as pessoas dirigiam-se a ele na rua e tratavam-no por tu, com uma familiaridade a que ele também correspondia, falando com atenção a cada um e cada uma.
O Miguel viajou muito, sobretudo pelo Mediterrâneo e no Médio Oriente: o trabalho para a série Périplo, realizada por Camilo de Azevedo, com texto e voz do Miguel e em colaboração estreita com Cláudio Torres e Luís Leiria, levou-os à Tunísia, Líbia, Egito, Jordânia, Síria. É uma série documental em 4 episódios, transmitida pela RTP em 2005, ditada pela procura do outro, completamente a contracorrente das ideias sobre o choque de civilizações que eram dominantes desde (pelo menos) o 11 de Setembro de 2001.
Em 2006, em plena guerra, atravessou o Líbano sob bombardeamentos israelitas. Publicou um livro, “No Labirinto”. O Miguel trazia a Palestina no coração. Visitou a Cisjordânia e Gaza, e é lembrado pela sua solidariedade incansável com os palestinianos, tendo sempre estabelecido pontes com quem, em Israel, se opunha à política colonial sobre os palestinianos.
Depois de ser eleito deputado europeu, organizou viagens ao Sahara Ocidental, denunciando a situação de repressão de Marrocos sobre o povo Saharui. Em 2007 convidou Aminetu Haidar a visitar Portugal, com realização de sessões públicas em Lisboa e no Porto. Mais tarde, visitou-a a 10 de Dezembro de 2009 (Dia Internacional dos Direitos Humanos) quando Aminetu cumpria o 25º dia de greve de fome, em Lanzarote. https://www.esquerda.net/content/miguel-portas-visita-aminetu-haidar
Quando o Miguel morreu, Aminetu enviou a seguinte mensagem:
“(..) a morte deste grande homem e verdadeiro defensor dos valores e princípios humanos é uma grande perda para todos os povos que não têm voz e, em particular, para o Povo Saharaui. É uma pena que o Povo Saharaui continue a sua longa luta sem o braço forte do Miguel Portas!! Quanto a mim, pessoalmente, sinto que perdi um amigo muito próximo… que senti estar sempre ao meu lado. Lembro-me e lembrar-me-ei sempre da visita que o falecido Miguel Portas me fez durante os momentos duros da minha greve de fome em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, em 2009.
Muito carinhosamente”.
Com a presença de Catarina Martins, Marisa Matias, José Manuel Pureza e Luísa Teotónio Pereira e com o filme “A vida à espera: Referendo e Resistência no Sahara Ocidental” (de 2015, com realização de Iara Lee, cujo trailer pode ser visto aqui https://www.youtube.com/watch?v=8zLuoxRS3Ss(link is external) ), prestamos homenagem ao Miguel. O filme que escolhemos, como revela a sinopse, é “uma crónica que mostra a violência do dia-a-dia experienciada pelos Sahrauis que vivem sob a ocupação Marroquina e vocaliza a aspiração de um povo do deserto para quem a era da colonização nunca acabou”. Num Desobedoc em que as lutas de libertação assumem centralidade na programação, falar desta última colónia africana traz para o presente a urgência e a atualidade das lutas pela autodeterminação. Neste filme, vê-se como “apesar das dificuldades, um novo movimento, com jovens no centro da ação, emerge, questiona o abuso dos direitos humanos e exige o prometido referendo sobre liberdade”.
Na véspera do dia da liberdade, pareceu-nos que esta era uma bela forma de lembrarmos o Miguel, que foi sempre um construtor de pontes, solidário e corajoso. Que vivia tudo com alegria, otimismo e paixão. É este Miguel que evocaremos no Desobedoc.