Cinemas em Viseu

Do Viriato ao Ícaro – Breve História das Salas de Cinema em Viseu

O cinema transporta o Homem para um sonho

“O homem é genial sempre que sonha”, já dizia o cineasta Akira Kurosawa. O público sonha na sala de cinema, lugar de imaginação e evasão, ela é o espaço tradicional, desde os primórdios do cinema. É uma experiência do cinema coletiva. Essa experiência, por mais individual e pessoal que seja, é feita em conjunto com centenas de pessoas ao mesmo tempo, na sala de cinema. “O cinema é sonho. É um sonho artificial. O cinema não será também ele um sonho?. Vou ao cinema do mesmo modo que adormeço.” (1). Este sonho é assim uma experiência. Essa experiência só existe se houver espectadores, são eles que constituem o próprio cinema. É a experiência cinematográfica. Essa experiência é mágica, é uma ilusão portanto.

Teatro Viriato

Do Viriato ao Ícaro

Tudo começou com o grito de Viriato e tudo acabou com a queda de Ícaro. Duas lendas. Dois sonhos? A história do Ícaro, na mitologia Grega, é conhecida pela tentativa falhada do desejo de voar próximo ao sol, que acabou por cair no mar Egeu, culminando na sua morte.

Viseu começou a sonhar a fevereiro de 1897, no Teatro Boa União (atual Teatro Viriato), quando o animatógrafo chegou à cidade. Viseu teve assim a sua primeira sessão de cinema, pelas mãos do senhor Luciano, “um homem dinâmico e empreendedor, proprietário de uma cervejaria mesmo em frente ao teatro, que se chamava precisamente, ‘Cervejaria Cinema’” (2). Essa projecção aconteceu apenas quatro meses antes de ter sido apresentado no Porto (a 12 de novembro de 1896) no então Teatro do Príncipe Real (atual Sá da Bandeira), onde foi exibido, pelas mãos de Aurélio Paz dos Reis aquele que viria a tornar-se no primeiro filme português, a “Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança”; e apenas dois anos antes dos irmãos Lumière (28 de dezembro de 1895) terem apresentado o cinematógrafo em Paris.

Avenida Teatro

O Animatógrafo trouxe enchentes ao Teatro Boa União. Os viseenses aderiram em força ao cinema. Poucos anos depois era inaugurado o imponente Avenida Teatro, em 1921, que dispunha de 2 mil lugares, com dois andares, camarotes e jardins exteriores. Apesar da programação variada no Avenida Teatro, de espectáculos de música, teatro e bailado, foi o cinema que mereceu maior destaque na programação. Apesar de ter sido considerado o melhor Teatro da sua época, acabou por fechar portas em 1961 e ser demolido em 1971. Um ano antes tinha sido encerrado também o Teatro Viriato. Assim, a partir da década de 1960, Viseu passou a ter apenas uma única sala de espectáculos ativa, o Cine-Rossio (inaugurado em julho de 1952, com a exibição do filme “O Preço da Juventude” (1950) de René Clair). Localizado nas traseiras da Câmara Municipal, foi nesta sala que o Cine Clube de Viseu (fundado em 1955) realizou a sua primeira de muitas sessões de cinema. Com o encerramento do Cine-Rossio em meados de 1983 (foi totalmente demolido em 1994), o Cine Clube de Viseu passou a realizar as suas sessões de cinema em vários espaços culturais da cidade: o Auditório da Casa-Museu de Almeida Moreira, o Auditório Mirita Casimiro (inaugurado em 1989) e, desde 1997, no Instituto Português da Juventude. Depois de recuperado é reaberto ao público o novo Teatro Viriato, em 1999. A sala que levou os viseenses a sonhar com o cinema, em 1897, reabria finalmente, quase quarenta anos depois de ter fechado portas.

Cine Rossio

As salas de espectáculos culturais que exibiram cinema foram abrindo e fechando. Mas o cinema em Viseu nunca deixou de existir. Continuou-se sempre a sonhar graças ao árduo trabalho do Cine Clube de Viseu, que ainda hoje mantém uma atividade regular e exemplar na cidade de Viseu. É de louvar o enorme trabalho do cine clube, no papel da promoção, divulgação e educação da população local.

Em 1984 abriu aquela que foi durante algum tempo a única sala de cinema em Viseu, o Cinema São Mateus. Uma sala moderna para a época, com som, imagem e conforto de qualidade (com capacidade para 276 lugares), a sala foi muito bem recebida pela população da cidade. A qualidade da sala e da programação fizeram do São Mateus uma das mais respeitadas salas de cinema do país. Em 1994, o proprietário do São Mateus, João Figueiredo e Silva, abria uma nova sala de cinema em Viseu, o Cinema Ícaro, nas Galerias Ícaro, o primeiro cinema dentro de um centro comercial em Viseu. O Ícaro, que dispõe de cerca de 170 lugares, abriu com a exibição do filme “Quando o Céu e a Terra Mudaram de Lugar” de Oliver Stone.

“O CCV mostrou interesse em ocupar o S. Mateus, depois do encerramento da sala, mas a hipótese era tão cara que seria praticamente inviável. Infelizmente, vendeu-se o espaço para património. A Câmara, se fosse inteligente, tinha ficado com aquela sala para diversos fins: CCV, conferências, para tudo, estava montado com tudo. O imóvel foi vendido à Farmácia Oliveira. O Cinema Ícaro está entregue às Finanças.”(3)

O Cinema Ícaro encerrou as suas portas a 13 de fevereiro de 2005, com “O Aviador” de Martin Scorsese. O Cinema São Mateus encerrou a 10 de agosto de 2005, com “Um Amor em África”, de John Boorman.

Cinema Ícaro

O Presente

Viseu dispõe hoje de dois multiplex, em dois centros comerciais, geridos pela NOS Audiovisuais, com 6 salas noPalácio do Gelo e outras 6 no Fórum Viseu, que por sua vez, não oferecem uma programação independente e alternativa, capaz de reflectir o que é o panorama mundial da produção cinematográfica. Viseu tem neste momento apenas uma única sala de cinema tradicional, que se encontra fechada desde 2005, que pode trazer à cidade uma diversidade de eventos cinematográficos que dinamizem a cultura da região. O Cinema Ícaro, a única sala de cinema de Viseu do século XX ainda existente, tem potencial para colmatar essa lacuna de oferta cinematográfica na cidade, e se houver visão por parte dos agentes culturais da região e por parte da Câmara de Viseu, tudo isto passará de um sonho a realidade.

Os grandes centros urbanos como Lisboa e Porto tem demonstrado interesse e iniciativa no investimento destes espaços para o desenvolvimento da cultura nas suas cidades. O Porto reabriu o Cinema Trindade e está em vias de reabrir o mítico Cinema Batalha. Em Lisboa reabriu-se, diga-se com muito sucesso, o Cinema Ideal. Em Bragança (note-se que é uma cidade do interior), por exemplo, a Câmara vai investir cerca de 270 mil euros para a reabertura da mais antiga sala de cinema da cidade. Ou seja, os cinemas estão a voltar às cidades, o público está a regressar ao cinema. As câmaras e instituições culturais estão conscientes desta realidade e do potencial cultural e económico para o desenvolvimento da cidade.

Viseu precisa do Cinema Ícaro. Recuperar o Ícaro é portanto relevante para a cidade e para aqueles que nela habitam. O Ícaro pode ter uma nova vida através de uma programação mais virada com destaque para o cinema independente e alternativo, sessões de exibição de clássicos do cinema mundial, assim como na realização de festivais e mostras de cinema e criação de eventos de natureza cultural e cinematográfica. Devolver à cidade um espaço que colmate a falta de oferta diversificada no sector cinematográfico na cidade, permitindo ao público a construção do olhar e novas formas de pensar. Sempre que a sala de cinema Ícaro existir, enquanto não a destruirem ou a transformarem num ginásio ou noutra coisa qualquer, há esperança. O Ícaro não morreu. Está apenas envelhecido e esquecido.

O Ícaro não tem claramente a mesma importância histórica que teve o São Mateus, ou o Cine-Rossio ou outras salas que existiram em Viseu. O Ícaro não é uma sala que tenha marcado uma geração de cinéfilos em Viseu. O Ícaro é pequeno comparado com todas as outras salas. Mas o Ícaro é um símbolo, o único, ainda vivo, representativo desse tempo passado e esquecido, em que as salas de cinema tinham uma grande força cultural na sociedade. Os cinemas eram capazes de mover multidões que esgotavam sessão após sessão, levando um filme a ficar em cartaz durante várias semanas seguidas. O Ícaro é representativo de tudo isto, de uma época que não volta mais. Por isto tudo, o Ícaro deve permanecer vivo, como um símbolo do que foi o Cinema na cidade de Viseu.

Por Tiago Resende, em Cinema 7ª Arte